Quem são os loucos? O que desejam e com o que sonham? Como veem o nascer do sol, a chuva de verão, as estrelas do céu?
Os loucos já viveram soltos nas ruas e eram vistos como santos e profetas do incompreensível. Os loucos já velejaram nas naus sem pátria até aportarem em terras selvagens, levados para longe da sociedade limpa e organizada. A insanidade humana é usada como pária e bode expiatório e os seus corpos – vivos e mortos – já serviram como objeto de estudo da ciência, tratados como coisas aonde a ética não chega. Furados e escrutinados em prol de projetos iluministas e da superioridade da razão.
De que se alimentam os loucos? De qual pão tiram sua força vital e de qual credo e arte se alimenta seu espírito?
Dominados ora pelo furor religioso, ora pelo descontrole das paixões – o louco é o selvagem, o corpo improdutivo que não serve docilmente ao trabalho e ao consumo. A sujeira que infecta as ruas. Que espanta os clientes e turistas. O bicho humano que não se deixa anestesiar e desobedece à organização social higienista.
Aonde moram os loucos, senão nos locais propriamente destinados ao descarte das nossas frustrações? Moram nos prostíbulos baratos e nos resorts de luxo. Nos shoppings lotados de pessoas descontroladas e ansiosas por compras. Nos bares infectados de tristeza e desilusão regadas ao álcool e à música desesperançosa. Na câmara escura e no senado podre.
Há todo tipo de loucura – medida pelo tanto de almas que passaram e ainda passam por sobre a terra. No Brasil de 2020, resta saber à qual delas cada um de nós pertence: se à loucura a ser enclausurada, sufocada e escondida nos porões das instituições ou se à loucura coletiva e lucrativa que é incentivada e gerida sob os rótulos da fé, da moral, da família e dos bons costumes.
Sorte daqueles que vivem e amam em um período histórico quando sua loucura particular concorda com aquela que está no poder e subjuga todas as outras ditas insanidades ao esquartejamento e às punições mais vis.