O riso da cara e o siso do sangue: somos o passado encarnado pela herança genética e pelo regimento obediente das lições sobre a vida que recebemos dos nossos pais – mas, também somos a vontade de ser o único e soberano regente da nossa própria história. Somos a tensão da corda que se estica até nossos mais remotos antepassados e o dardo que se lança mundo afora, na vontade diária de fazer do porvir nossa semente de autoconstrução e identidade.
Emoldurados nas paredes, os retratos de família nos vigiam? Nos abençoam? Nos relembram, diariamente, de que agora é nossa vez e que, nesse espaço de tempo que eles abriram para nós, estamos e somos tão livres quanto sozinhos para talhar nossos próprios rostos que, um dia, também estarão imóveis nas paredes das casas/memórias?
O que significa ser um filho, que também se transformará em um pai? O que é ser uma mãe, que um dia já foi filha? Quem são esses irmãos e irmãs – tão diferentes quando juntos e tão parecidos quando distantes? Qual o momento exato em que vamos vestindo e desvestindo peles e máscaras junto aos papéis determinados que nos dizem quem cuida, quem manda, quem obedece, quem cobra, quem deve, quem fica e quem deve partir? Se não vemos nosso sangue estampado, ainda nos amaríamos e nos reconheceríamos quando as forças da vida nos separam e nos negam a convivência familiar?
Honrar nossa árvore genealógica. Voar para longe do ninho. Perpetuar o sangue e o sobrenome nos nossos próprios filhos e errar diferente. Extinguir nossa linhagem pelo medo de errar. Não nascemos uma página em branco – a família nos escreve o prefácio. Que apresentação escreveremos para as futuras gerações? E isso nos importa? E isso importava aos nossos tataravôs e tataravós quando esses faziam suas escolhas e quando engoliam seus sentimentos em favor da lei da vida?
É do seio do lar e da trama familiar que germinam nossas memórias mais ternas e nossos traumas mais excruciantes. Enquanto formos essa corda esticada da vida passada, do presente que escapa e do futuro que ainda não madurou, cabe a nós, e somente a nós, extrairmos dessa tensão as notas, o som e a melodia que nos façam dançar, sorrir ou chorar, entendendo que – seja através de laços ou de nós – estamos e estaremos, perpetuamente, atados pelo sangue: sangue esse que sempre irá nos identificar, mas se esse sangue será o fator primevo que irá nos definir – é aí que encontramos os galhos, as folhas, as flores e os frutos onde mora a nossa mais fiel e solitária responsabilidade de escolha.